Atualizado em 31/10
O verdadeiro ganhador das eleições municipais, neste segundo turno, foi (mais uma vez) a abstenção. Na cidade de São Paulo, município mais populoso do país e local onde as eleições mais se aproximaram de um espelhamento das últimas presidenciais (Guilherme Boulos, apoiado pelo Lula/PT e Ricardo Nunes, em tese, apoiado por Bolsonaro) a soma de abstenções e de votos nulos e brancos superou a votação de ambos contendentes: enquanto o atual mandatário, ora reeleito, obteve 3,4 milhões de votos e seu oponente 2,3 milhões, 3,6 milhões de eleitores simplesmente recusaram a escolher entre as duas nulidades. Desses mais de três milhões e meio de paulistanos, 2.940.360 se abstiveram – a maior taxa da história em um segundo turno na cidade –430.576 votaram nulo e 234.317 em branco. Abstenção acachapante, maior do que a registrada no pleito de 2020, em plena pandemia!
No âmbito nacional, apenas considerando o segundo turno, outras capitais com índices expressivos de abstenções, acima dos trinta por cento, foram Porto Alegre (34,83%), Goiânia (34,2%), Belo Horizonte (31,9%) e Curitiba (30,5%). Mesmo os analistas burgueses se mostram preocupados com os números, alegando que a alta abstenção/nulos/brancos pode causar perda de legitimidade dos eleitos, quando na verdade ela é sintoma e consequência dessa profunda separação entre a superestrutura oficial e os anseios dos milhões de trabalhadores.
Os partidos que mais ganharam prefeituras foram o PSD (887), seguido pelo MDB (856) e o PP (747), todos ditos do “centrão” – nome perfumado com que a imprensa “ressignifica” siglas do mais puro fisiologismo e venalidade, governistas por princípio, qualquer que seja o governo. Na verdade, forças consideradas fiel da balança pelas classes dominantes, pêndulos que asseguram, no modelo pré-pago, que o compromisso do chefe do executivo com a ordem burguesa e latifundiária não seja violado, sob pena dele perder “governabilidade” e ser afastado. Pois sim, não poucos articulistas pretensamente ilustrados que pretendem ver em notórios vampiros do erário, tais como Gilberto Kassab ou Michel Temer, homens “equilibrados” ou mesmo “grandes estrategistas”, quando o único significado prático da sua vitória é a atomização de qualquer projeto nacional no altar dos interesses paroquiais mais comezinhos (incluídos aí o do crime dito organizado ou dos pistoleiros clericais) e a fatura mais cara a ser cobrada por apoio no Congresso ou para subir no palanque em 2026. O atual centrão é a pura expressão do atraso econômico e político, do latifúndio no campo e dos oligarcas da cidade, expressão da inércia e do reacionarismo brejeiro – que certa sociologia confundiu com o “homem cordial”, simplesmente porque não olhou o que se passava fora da casa grande – camadas que foram desde sempre força de reserva de todos os golpes militares dados ou tentados na história do país.
Sobre a falsa esquerda, sofreu derrotas humilhantes, a começar pela de Guilherme Boulos. Este senhor, que conseguiu a proeza de se projetar como um “líder sem teto” sem ter sido nunca líder e muito menos desabrigado, obteve o mesmo número de votos que em 2020. Ocorre que, desta feita, contou com o apoio de Lula, muito mais recursos de campanha e a participação de figurões, como Marta Suplicy. Na cidade (capital) de São Paulo, frise-se, Haddad venceu Tarcísio nas eleições para governador e Lula venceu Bolsonaro nas presidenciais de 2022, o que dá a medida real do desempenho de Boulos e prova que, ficando na mesma posição de há quatro anos, fracassou. Isso, em uma campanha em que teceu loas ao “empreendedorismo” mais pilantra, disse que faria valer reintegrações de posse para defender a sacrossanta “propriedade” e por fim, mas não menos importante, encerrou sua participação de mãos dadas com Pablo Marçal. Se este é o “futuro da esquerda”, reformista, entenda-se, celebremos: ela já nasce abortada. O PSOL, além de Boulos, lançou outros 210 candidatos a prefeitos e não elegeu nenhum. O PT, que obteve um crescimento no número de eleitos, levou apenas em uma capital, Fortaleza.
Do resto dos partidos aliados à política de “esquerda”1 que deturpa tudo que é marxismo, pela ilusão de que as eleições são vias de “propaganda revolucionária” também não elegeram ninguém de sua sigla, tendo que converter sua política de “propaganda revolucionária” a defender candidatos de direita, como foi o caso do PSOL e PCB em Niterói, que fizeram uma vigorosa campanha para Rodrigo Neves do PDT, candidato das operações nas favelas de Niterói 2e da política de aprisionamento da juventude preta e pobre da cidade através de esquemas de reconhecimento facial comprovadamente racistas3.
No campo da extrema-direita, houve uma fissura muito clara. Dentro do próprio PL, Valdemar da Costa Neto e Bolsonaro já se desentendem em público sobre quem será o candidato presidencial; embora elegendo quatro prefeitos em capitais, Bolsonaro apanhou feio no Rio de Janeiro, em Goiânia, Curitiba (onde apoiou uma candidata contra uma chapa em que o vice era do PL) e Belo Horizonte. Em São Paulo, outra fissura, desta feita com Tarcísio de Freitas, que teve em Ricardo Nunes um poste para chamar de seu. É curioso que alguns se esforcem para apresentar aquele como “moderado de direita”, quando se projetou como “capitão-mor” de Bolsonaro, tem comandado recordes de assassinatos pelas polícias paulistas e mobilizado o que há de mais atrasado mesmo no rol das disputas institucionais – como a associação de Boulos ao PCC na boca das urnas, no dia do pleito. Tarcísio nada tem de “moderado”, porque a ordem econômico-social brasileira é selvagem, e não há outro meio de governá-la senão o que vige na lei da selva, cartilha que prega abertamente o campo do fascismo e com a qual ele se identifica. Do que se trata aí é de uma disputa de lideranças no campo da extrema-direita. Esta, mesmo com Bolsonaro virtualmente inelegível, ganhou vida própria, e o amplo rechaço às eleições – na forma das abstenções e votos em branco e nulos – bem como a votação expressiva de novos pescadores de águas turvas, como Pablo Marçal, mostra que o caldo de cultura para que apareça um novo “Messias” tão ou mais radical que Bolsonaro – e, o que seria mais perigoso, quiçá mais hábil politicamente – segue colocado.
Em suma, se Bolsonaro perdeu, Lula tampouco ganhou. No fim das contas, a taxa de reeleição de 82%, a maior em vinte anos, prova que a única renovação que as eleições fraudulentas podem promover é a da imundície nas ruas no dia seguinte à disputa. A “polarização” que vale aí é basicamente entre os donos do saco de dinheiro – que compra votos hoje como há cinquenta anos, alterando-se apenas as moedas de troca e os instrumentos de controle – e os distanciados dele, como sabe inclusive a imensa maioria dos candidatos a vereadores derrotados, obrigados agora a vender a alma para quitar os gastos com santinhos, combustível e outras despesas, sem acesso a um centavo do bilionário fundo partidário, concentrado nos candidatos considerados “competitivos” ou apadrinhados pelos caciques das siglas. Estes pobres diabos pagarão agora pelas ilusões que venderam.
A falência dessa falsa democracia, portanto, não se comprova apenas pela pregação golpista incessante da extrema-direita, mas pelas próprias engrenagens internas que travam qualquer “alternância” ou “equilíbrio” de poder, segundo creem os seus defensores dogmáticos. Isso já seria motivo suficiente para descartar a possibilidade de transformação da realidade pelas eleições, então, apoiá-las seria trair o desejo verdadeiro de mudança do povo e de sua realidade. Apoiar as eleições e disputá-las seria ser conivente com uma farsa reeditada nos pactos ‘pós-ditadura’ da tal redemocratização dos militares e ianques. A juventude, sedenta por respostas, não deve esperar das podres instituições nada além da comprovação do seu fracasso. A boa notícia é que a crise de legitimidade do sistema político oficial, iniciada em 2013, não cedeu. Embora não tenha atingido as formas agudas de 2018, segue latente, e se é verdade que a extrema-direita tem se aproveitado disso para seus próprios fins, ela também coloca a possibilidade sempre presente de novas irrupções de ondas de revoltas populares. A dita crise da esquerda é crise na verdade da falsa esquerda reformista; a decadência da “democracia” liberal é a decadência da ordem capitalista. Mais do que atentos, estejamos preparados!
1 UP, PCB, PSTU, PCO
2 https://oglobo.globo.com/rio/bairros/ocupacao-do-complexo-do-viradouro-pela-pm-foi-pedido-da-prefeitura-de-niteroi-24597243
3 https://www.brasildefato.com.br/2023/10/06/rj-jovem-negro-acusado-por-reconhecimento-facial-e-inocentado-pela-terceira-vez#:~:text=O%20jovem%20negro%20Danilo%20F%C3%A9lix,a%20partir%20de%20sua%20foto.
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